“Carne Fraca”, comércio e leis internacionais
Estou muito triste! Muito triste mesmo! O dia 17 de março de 2017 não foi um dia qualquer para o agronegócio brasileiro. O dia foi marcado pela deflagração da Operação “Carne Fraca” pela Polícia Federal brasileira. A ação atingiu os principais frigoríferos nacionais, que também estão entre os principais exportadores de carnes para o mundo (correspondem a quase 8% do setor no comércio mundial). A investigação policial foi iniciada a partir do depoimento de um fiscal para Polícia Federal. Após dois anos, no dia 17, foram cumpridos 309 mandatos em seis estados para prisões preventivas, temporárias, conduções coercitivas, buscas e apreensões. Mas, e agora? Como serão os desdobramentos para as empresas, consumidores, governo brasileiro, países importadores e para o comércio global?
Para Polícia Federal e órgãos de fiscalização, o primeiro passo será continuar e aprofundar ainda mais as investigações para detectar o maior número possível de culpados e promover inquéritos e julgamentos com base nas evidências apuradas. Essa linha visa proteger consumidores diante do risco de carnes contaminadas até com substâncias cancerígenas ou mesmo já vencidas.
Para o governo brasileiro, será necessário uma forte atuação diplomática objetivando reestruturar a imagem do agronegócio nesse setor. O setor de carnegera bilhões de dólares todos os anos e é fundamental para balança comercial do país, arrecadação de empregos de centenas de milhares de pessoas diretamente e milhões de forma indireta.
Para as empresas, será um momento tenso que já se materializa na desvalorização das ações nas bolsas de valores e no cancelamento de pedidos de compra e exportação. Alguns frigoríferos serão fechados e outros podem sofrer impactos nas vendas e promover demissões. Se os poderosos sofrerão, imagine os mais fracos, dependentes deles?!
Os países importadores, com certeza, aumentarão os critérios e barreiras para os produtos brasileiros. Nesse momento poderá entrar em cena a OMC (Organização Mundial de Comércio). Muitos países já anunciaram medidas que dificultarão a entrada da carne brasileira em seus mercados de consumo. Essa medida, a princípio é protecionista e combatida pela OMC, mas, em função das denúncias, o caso se torna mais complexo.
O Brasil terá de provar a qualidade de suas carnes e buscar negociações diretas junto aos países que levantarem barreiras contra a carne exportada. O ideal será solucionar diretamente entre os países de forma que a diplomacia brasileira consiga reverter o quadro, após comprovar a qualidade da carne. Mas, pode não ser tão fácil. Muitos países, diante de graves denúncias, manterão barreiras e o Brasil, provavelmente, terá de recorrer às instâncias para resolução de conflitos comerciais da OMC. Basicamente percorrerá o seguinte caminho:
1. Realizará uma Consulta junto à OMC, perguntando se a postura do país que estiver impondo barreiras contra carne brasileira pode ser considerada em acordo com regras da OMC;
2. Porventura, se a OMC condenar a prática de barreiras e, mesmo assim, o país continuar com as mesmas, o Brasil poderá solicitar que se estruture um Painel. Nesse Painel, o Brasil e o país indicado estabelecerão argumentos e buscarão um diálogo sobre o tema para tentar um acordo que seja bom para ambos;
3. Caso o Painel não funcione, poderá ocorrer um “Julgamento”, ou seja, órgãos internos da OMC analisarão a questão e especialistas da área indicarão o que deve ser feito, segundo as normas da OMC. A ideia é convencer o país que não estiver em acordo com as regras para que acate as mesmas e mude sua prática;
4. No entanto, caso o país que esteja agindo contra o recomendado pela OMC não acate as sugestões que surgem desse “julgamento”, o país prejudicado, em posse de uma posição da OMC, poderá solicitar um caminho para Resolução da Controvérsia, ou seja, uma ação que compense a perda oriunda das barreiras.
Percebemos que a OMC poderá apresentar papel fundamental em possíveis desdobramentos das denúncias produzidas pela Operação “Carne Fraca”. No entanto, o melhor seria que as empresas comprovadamente culpadas sejam devidamente responsabilizadas com rapidez, justiça e eficiência, outras possam buscar ações imediatas que comprovem a lisura de sua cadeia produtiva e o bom estado de seus produtos, assim como, o governo brasileiro consiga, diplomaticamente, evitar todo esse longo processo de resolução de controvérsias na OMC.
Aguardemos os desdobramentos desse episódio que apenas começou.
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